domingo, 15 de março de 2009

Liberdade

Lá pelas tantas da vida, quando o ponteiro já passava da metade do relógio, alguém lhe fez pensar sobre o que seria a liberdade.
Um pouco perplexa, talvez se sentindo surpreendida por tal questão tê-la incomodado tanto, saiu de sua confortável redoma e entrou no shopping mais próximo, disposta a comprá-la. Mesmo possuindo recursos, nada comprou, mas saiu de lá certa de ter adquirido a tal liberdade: a Liberdade de Opção, a que faz com cresçamos através das nossas escolhas.

Mais adiante entrou em uma igreja. Entre santos e bancos vazios, conversou mentalmente com seu deus e se retirou carregando debaixo do braço a Liberdade da Fé, a que permite acreditar que se fez bom uso da Liberdade de Opção.

Na volta para a sua redoma, distribuiu sorrisos para os que lhe acenavam na rua, acariciou o rosto de um moleque que lhe pedira esmola num sinal, cantarolou uma música brega ao volante, xingou baixinho um motorista desatento, xingou bem alto ao telefone alguém que quisera roubar-lhe a paz, chorou, gargalhou de si mesma, ofereceu perdão e se perdoou... usufruiu da Liberdade do Amor, pois acreditara em suas escolhas e sentia-se feliz com elas.

Porém, novamente trancada em sua redoma, baqueou-se com a solidão. Era feliz, mas só. Os que ali viviam eram tão plenos e alimentados de Amor, que se tornaram apenas um. Fundiram-se. Eram livres e aprisionados ao mesmo tempo. Acreditavam no Amor que os uniam; nos sonhos, atos e escolhas que fizeram para se unirem e sentiam-se felizes com isto, mas desconheciam a Liberdade da Matéria, a mais complexa de todas, a que constantemente nos ilude.

A verdadeira Liberdade da Matéria só ocorre com a existência das outras.
Quando falta alguma delas, torna-se libertinagem.
E tendo-se as outras, sem ela torna-se solidão.

O relógio da vida em seu tique-taque incessante a fez sentir-se mais só ainda,
Mas depois de descobrir-se tão livre
Resolveu esperar pelo resto da Liberdade, que certamente um dia chega para todos...

sábado, 14 de março de 2009

Loucura

Deitada no gramado, o ventinho frio da tarde chuvosa arrefecia minha cuca insana e as gotinhas de chuva disfarçavam as lágrimas que teimavam em escorrer pelo canto dos olhos. Pensei então que talvez estivesse ficando louca, pois o que faria uma pessoa sã deitar sobre o gramado num dia chuvoso?
É, sou mesmo louca.
Sou louca por sentir prazer em deixar meu corpo tocar a terra úmida, deixando penetrar em meus poros aquele cheirinho tão gostoso e característico de chuva...
Sou louca por fechar meus olhos e sentir aquela poeirinha de água os tocando, como minha mãe fazia com todo o carinho quando algum cisquinho caía neles... ou como um dia foram umedecidos com um beijo jamais esquecido, pois não sou santa, apenas louca.
Sou louca por não ter nada mais a fazer do que ficar ali, deitada sob a chuva...
Ri só de imaginar em alguém chegando e dando de cara com a cena: a patroa endoideceu, mamãe tá dodói, a mulher ficou maluca, minha filha está depressiva, a amiga está carente, e por aí ia, cada um tentando explicar meu despautério.
Imaginar todas as cenas me fez tão bem que mal percebi o tempo passar, levantei-me completamente ensopada, com uma sensação de felicidade indescritível correndo nas veias.
No caminho para o banho quente pensei “ué, não tem gente que fica se torrando ao Sol, seminu na praia? Por que eu seria a louca se até vestida eu estava?”.
Confesso que depois deste pensamento me deu uma comichão enorme de na próxima chuvinha deitar peladona no gramado.
Louca? Só se eu não passar repelente...