sexta-feira, 4 de março de 2011

As Curvas da Estrada de Santos

De repente num belo dia, justamente naquele que eu não estava na maior correria, saí do banho pelada e ao entrar no closet dei de cara com aquela figura estranha que me fitou do outro lado do espelho. Quem é essa????

Com a cara de assustada subitamente percebi...sou eu...

Cato correndo o retrovisor de bunda (aquele espelhinho que nós, mulherada, usamos para captar a retaguarda) e ao conferir as tão famosas curvas, desesperada percebo que surgiram não se sabe de onde...inúmeros quebra-molas!

Meu Deus! Ainda ontem mesmo (a infeliz não se reparava a uns dez anos...) minhas curvas eram tão lisinhas, agora é um tal de sobe e desce aqui e ali, buracos acolá...acho que não existia este morro na "curva do culote"...melhor examinar de frente.

Olhos nos olhos, lentamente vou desviando o olhar para os seios...tadinhos! Vocês conseguem ter noção do estrago que o tempo e a erosão fazem em encostas sem contenção? Minha Nossa Senhora! Só com muro de arrimo muito bem feito para colocá-los no lugar...

Melhor descer para a barriga...volto correndo a me encarar...cadê meu umbigo? Antes o bichinho reinava absoluto no centro dela, tal qual um bueiro sem tampa no meio da pista, mas com a diferença de não evitarem cair nele...agora o bicho tá tão espremido entre ondulações que quem será louco de se aventurar a passar sobre esta depressão na pista?

Ai, ai...

Volto ao exame cruel, desço um pouco mais o olhar e começo a gargalhar...né que o destino continuava incólume!

Fitei-me admirada e me admirando. De que adianta percorrermos uma estrada maravilhosa, bem conservada, mas às custas de um pedágio alto e ao lado de alguém mal humorado que nem consegue apreciar a paisagem se no final tudo vai dar no mesmo lugar?

Minhas curvas estão iguais as da BR-101, a Estrada de Santos, que apesar de não estar bem conservada, ainda leva a Santos...e depois, com a paisagem que oferece, pra que asfalto lisinho? O grande barato é andar devagarinho, curtindo a viagem...

Meire J.Costa - 2006

Dondocas do Bem

Agora me empombei! Vou fazer maior discurso de apologia às "dondocas", mas não estas que vocês estão pensando. Vou apresentar-lhes as "Dondocas do Bem" ou as "Boas Dondocas", se assim preferirem.

Tudo é uma questão de escolha e vocação.
Em qualquer área existem os bons profissionais (que nem sempre são os que ganham mais, infelizmente) e os maus profissionais (que na maioria das vezes ganham muito por saber agradar, não têm talento mas têm carisma).

Não sendo profissional liberal, todos têm um chefe. E nem sempre este chefe é uma "flor-de formusura"...alguém por aqui ama de paixão o seu chefe? Alguém tem certeza que o seu chefe lhe ama de paixão?

Quem aqui já não teve vontade de gritar com seu chefe ou esganá-lo levante o dedo! Quem aqui nunca abaixou a cabeça para uma ordem babaca do seu chefe levante o dedo!
Quem aqui nunca ficou p#&$%uto por seu chefe não lhe dar aquele aumento tão merecido levante o dedo!

Agora...

Quem aqui já gritou com seu chefe? Eu! Eu! Eu! (ainda não tentei esganá-lo, tá gente?)
Quem aqui já abaixou a cabeça para uma ordem babaca do seu chefe, mas mandou-lhe ir à merda antes de executá-la? Eu! Eu! Eu!
Quem aqui ganhou de aumento um carro novo? Eu! Eu! Eu! (tudo bem, vão me acusar de dormir com o chefe, mas tem tantas por aí que também dormem e não ganham nem bicicleta...)

Porém, como disse no começo, existem os bons e os maus profissionais. Vamos ser justos. As "dondocas do Bem" amam o que fazem e escolheram esta "profissão", são cientes das dificuldades que tanto existem nesta como em qualquer outra profissão e encaram com seriedade o negócio (pô, tá pensando que é assim? Tem q ter regulamento...), não saem provocando demissão para ganhar FGTS, são verdadeiras profissionais (alguém por aí acha que é fácil administrar uma casa com um bom padrão social? Têm noção de quantos funcionários indiretos isto implica? ) e se muitas vezes têm que se sujeitarem a estresses é porque como para todos os profissionais, o mercado de trabalho não tá mole, não! Tem uma concorrência louca por aí...

As "dondocas do Bem" são as boas profissionais e que sabem sabem cativar, por isto recebem bem.

Agora também existem as pura e simplesmente "dondocas". Estas, eu diria que não são tão puras assim...
Agradam, paparicam, vivem em academia para ter corpão tanto para satisfazer o vaidoso chefe q gosta de exibir seu troféu, como para se exibirem tb, não se importam se forem humilhadas, pois são venais.
São vazias, fúteis, vivem caçando um patrão mais rico.
Estas são as péssimas profissionais que denigrem a categoria...
Será que alguém por aqui nunca conheceu alguma colega de trabalho que agisse assim com seu chefe?

Pois é. Depois de todo este discurso ainda faltou dizer o mais importante:
Apesar de tudo isto, de reclamar muuuito dele, eu posso dizer que sou grata e amo meu chefe de paixão, até porque ele me remunera direitinho e me ajudou a fazer a minha melhor obra sem me cobrar um tostão por isto, afinal, uma inseminação artificial não seria nada barato!

Quanto ao meu chefe me amar...quem de vocês consegue ter esta certeza?

E por que não trair?

O porquê de trairmos já vem sendo objeto de estudo de muitos e descobrir a causa não servirá de justificativa para atenuar algo q só nós, humanos, possuimos: a vontade consciente.

Livres dos padrões pré-estabelecidos pela sociedade em q vivemos, seremos senhores de nossa vontade, mas regidos por nossos instintos naturais q inconscientemente percebem q o homem foi programado para ter milhares de filhos e as mulheres algumas dúzias, visto a quantidade de espermatozóides e óvulos q produzimos. Somente isto já seria uma boa desculpa para a infidelidade masculina...acho q biologicamente, fica difícil para somente uma fêmea Homo Sapiens cumprir seu papel de reprodutora e gastar todos os "recursos férteis" de um macho...haja bimbada!

Porém não somos meros animais. Somos animais, mas racionais (novidade...rs). Pensamos, sentimos, agimos, reagimos e aprendemos a expressar todos estes nossos sentimentos de forma q nos compreendessem e pudéssemos compreender o outro.

Sendo assim, acho mais lógico buscar o porquê de NÃO trair.

Se vc tem consciência de q apesar de animal, vc difere dos outros animais pq vc é dono da sua vontade e consequentemente tem o domínio dos seus instintos naturais, vc não trai.

Se vc já consegue sentir a dor e a decepção causada por uma traição, vc não trai.

Se vc consegue compreender q uma relação sexual é muito mais q um ato de reprodução da espécie ou exercício para liberar energia, vc tb não trai.

Porque quem consegue compreender tudo isto, sabe se relacionar sem pensar em manter relação, sabe discernir amizade de paquera, sabe respeitar suas vontades sem violar seus princípios, consegue perceber e assumir q o parceiro já não mais o satisfaz, sem culpa e sem se vitimar pois tem convicçao dos seus sentimentos. Este seria o Homem racional.

Agora se vc não pensa assim, acha q sua vontade é regida pelos seus instintos, se acha q chifre só dói na cabeça dos outros, q transar é uma coisa e fazer amor outra, então por q trair? Viva feliz ao seu modo, mas assuma sua postura. Para q jurar fidelidade se vc não conseguirá cumpri-la? Por q fingir aceitar os limites impostos pela sociedade? Quem será o maior traído nesta estória toda? A sua "vítima" não seria vc mesmo q estará tentando viver se enganando e violentando a sua verdadeira essência?

Viver não é complicado, nós é q complicamos tudo...

Quarentena ou Quarentona?

Pois é, quem diria? Lembra daquela balzaqueana que tirava suspiros de cinquentões com grana e embalava os sonhos dos gatinhos sem grana? Tá virando quarentona!

Mais uns dias e a danada vai entrar nos “enta”, daí para frente, só o tempo para dizer o que irá mudar...se bem que o negócio é sério. Tão rindo? Muita gente boa já se espatifou e não soube entrar nos “enta” pela porta da frente.

Chega a ser hilário se não fosse trágico, mas já soube de “amigas” que resolveram comemorar a tão famosa passagem, dando uma repaginada geral.

A bestalhona resolve mudar o visual botando o cabelo no corte da moda (sabe aquele que parece que foi feito com a tesoura de grama?), pra piorar as que eram morenas resolvem ser louras e vice-versa (acham que mudando a cor do cabelo irá mudar também a maneira de pensar...é, pensando bem não deixa de ser uma forma de “mudar a cabeça”). Algumas fazem lipo-lifting-botox-escultura, ficam roxas um mês, a tão desejada boca da Jolie fica mais parecendo a da Chita e meses depois (salvo a boca que fica firme e forte durante a validade do tal botox) tudo volta pro lugar...

Algumas tomam coragem para mudar de emprego, resolvem chutar o pau da barraca! Tudo sendo creditado à bendita menopausa. Não sei porque, deve ser psicológico, mas toda mulher que vai chegando aos quarenta começa a sentir os tais calores. A infeliz tá longe pacas de chegar à menopausa, mas bastou colocar os pés na porta dos “enta” já começa a se abanar. Mal sabe que a causa dos calores geralmente é outra... Foi assim com a minha mãe, com minha tias e né que tenho feito o mesmo? Pelo menos sou consciente de minha frescura, ou melhor, quentura, vixe, melhor não complicar!

E falando nestes “calores”, creio serem eles os responsáveis por boa parte das separações que ocorrem neste período. Marido não é um bicho praparado para resolver este nosso problema, principalmente porque a grande maioria das mulheres nesta faixa está casada há pelo menos uns 20 anos e marido com mais de 20 anos neste posto, costuma estar com prazo de validade vencido.

Quando os calores não atigem a “bela adormecida”, quando não provocam uma metamorfose que transforma uma anfíbia numa réptil e deixam a perereca tal qual uma lagartixa subindo pelas paredes, a guerra limita-se apenas ao tira-e-põe edredon e ao liga-desliga do ar. Com pouquinho tempo de casados os maridos nem se importam se estão congelando, nos agarram para se aquecerem, até curtem. Se no meio da noite sentirmos calor e ficarmos peladas, aí mesmo que eles vibram...agora com mais de 20 anos de "dormição junta" nas costas, minha amiga, o que ouvimos é um tal de “vê se sossega, mulher! Dá pra parar de sacudir a cama?”...ó vida!


E quando a quentura acorda a santa? E quando no meio da noite a “bela adormecida” desperta do nada querendo catar seu príncipe, mas como já disse, geralmente o prazo de validade já foi expirado e aí é que você se dá conta que o príncipe virou sapo-boi-roncador faz tempo? É por isto que algumas resolvem redicalizar legal: new look, new life e new macho!

Mas como a vida é bela, tem aquelas que sabem adentrar em qualquer salão. Entram nos “enta” de cabeça erguida, barriga encolhida e como se nada tivesse mudado. Estas são sábias e espertas, não dão na pinta que já passaram do portal. Os calores, se sentidos são bem refrescados com uma boa ducha e os de duplo sentido, quando o maridão é do tipo que mesmo vencido ainda faz efeito, também algumas vezes serão refrescados com uma boa ducha. Quem não tem cão caça com gato, em casa de ferreiro o espeto é de pau (só não adianta se nem de pau tiver) e de mais a mais, mais vale um pássaro na mão... Estas jamais irão querer enfrentar um outro marido com validade vencida quando estiver chegando aos 60 (Deus as livre!), ainda mais que nem todos fazem efeito depois de vencidos...


Bom, como daqui a mais ou menos um mês estarei batendo na tão famigerada porta, vou botar minhas barbas de molho e ficar de quarentena...melhor não arriscar, né? Ainda bem que a ducha daqui de casa é boa...

Tristeza

Certas horas acho que meu entendimento prático da vida me deprime diante de tanta complicação desnecessária e então me sinto profundamente cansada, como uma guerreira vencida após uma batalha.

É muito complicado tentar explicar aos cegos de nascença o que é uma cor, o esforço é enorme, ainda mais quando envolta em minha egocentria, me esqueço que a cor só tem importância para mim, que percebo o mundo através dos meus olhos.

Longe de me sentir melhor do que aqueles que não pensam igual a mim, mas vendo-os sofrerem sem necessidade, deixo-me abater por uma profunda tristeza e depressão, típica daqueles que sabem que nadarão, nadarão e morrerão na areia.

Quantas vezes também me perguntei o porquê de me sentir tão triste. Foram inúmeras e incontáveis vezes que brigava comigo mesma não me permitindo cair em depressão pois achava não ter este direito...e acreditem, isto me depremia mais ainda.

Por que eu tão saudável, com uma vida tranquila, poderia me dar ao luxo de me sentir infeliz? Quantos naquela mesma hora sofriam com problemas seríssimos?

Um dia parei e entendi o porque disto: eu era feliz!

Então deveria estar louca? Que incoerência!

Não meus amigos. A felicidade é momentânea, pessoal e até transferível, mas muitas vezes incomoda aqueles que não a estão vivenciando, e que pensam que podem nos roubá-la...e até podem...e algumas vezes conseguem.

Lamentavelmente, nossa felicidade não consegue fazer o ladrão feliz, pois não serve para ele...cada um precisa descobrir seu próprio caminho para alcançá-la. A felicidade tem a nossa forma, molda-se à nossa identidade.

Daí talvez venha toda a minha a tristeza, não só por muitas vezes por ter a minha felicidade roubada, mas também por saber que ela não terá utilidade alguma para quem a roubou.

Meire J.Costa

Sobre a Riqueza...

"Bem aventurados os pobres de espírito, porque deles será o Reino dos Céus"

( Mateus, 5:3)

A riqueza pressupõe um excesso de algo além de nossas necessidades.

Consideramos rico aquele que possui mais oportunidades do que sua capacidade em usufruí-las.

O rico materialmente não consegue gastar todo o seu tesouro nos poucos anos que lhe é concedido de jornada...

O rico em conhecimentos precisaria de séculos de sobrevida para colocá-los todos em prática...

O rico moralmente, muito aquém dos seus semelhantes, torna-se solitário e muitas vezes incompreendido, é tomado por profundo desânimo na caminhada.

A verdadeira riqueza encontra-se justamente no ponto de equilíbrio entre o ter e o usar o que se tem.

Ser rico é não ter nada mais do que efetivamente necessitamos ter para crescermos ,para vivenciarmos nossa história evolutiva. Para muitos, infelizmente, isto é ser pobre.

Nesta ótica, aquele cuja riqueza é repartida fraternalmente com seus semelhantes, mesmo vivendo na abundância em decorrência dela, é pobre.

Possuidor de inúmeros recursos conquistados por mérito ou lhe conferidos por oportunidade de aprendizagem, não os amontoa. Não ajunta mais do que necessita e mesmo tendo uma vida farta, reparte com os necessitados e vive ciente de que tudo que lhe foi conferido será deixado para trás neste mundo. Nada nos pertence.

Nem mesmo a sabedoria, os conhecimentos adquiridos, o degrau a mais conquistado na escala evolutiva, nada nos pertence. Apenas os usufruimos enquanto estamos os vivenciando. Não adianta adquirí-los e guardá-los, não devemos nos tornar ricos, saibamos ser pobres.

Um grande amigo já passou em nosso planeta e tentou nos mostrar o caminho, pena que poucos o compreendam...

Meire J.Costa

28.02.2010

Nu Moral

Quase diáfana desnudo meu peito

E em tão pouca matéria me faço carnal
As sombras pequenas que ocultam a minha miséria
Traduzem a grandeza da minha suposta moral.
E muito embora por vezes me sinta tão diminuta
Me perco contando as honras e glórias
Querendo ser santa, agindo tal qual uma puta
Exponho meu seio e ponho ao escambo a minha vitória.

MeireJ.Costa

06/09/10

Compartilhando...

As pessoas costumam confundir o compartilhar com o partilhar. Quando nos propomos a vivenciar uma relação a dois, geralmente partilhamos nosso espaço físico. Dividimos com o outro a nossa casa, a nossa cama, a nossa comida, a responsabilidade sobre os filhos, o tempo disponível, enfim, partilhamos, repartimos nossa vida material e nosso mundo com alguém. Atitude muito nobre e desprendida, por sinal.

O problema é que diante disto queremos partilhar com o outro também nossas emoções e sentimentos. Dividimos com o companheiro nossas vitórias, alegrias, exigimos (mesmo que veladamente) que o outro sinta também o que estamos sentindo, que vivencie conosco tal sensação, o mesmo acontecendo quando estamos tristes ou raivosos...e mais ainda, queremos também dividir com a nossa cara-metade nossos desejos e sonhos, como se dando-lhe a metade deles, dividiríamos a obrigação de lutar por tais ideais.

Compartilhar é bem diferente. É participar de algo ou deixar que participem conosco, mas sem dividir. O compartilhar, muito pelo contrário, é somar. É vibrar, se contagiar com a alegria do companheiro, mesmo sem saber o motivo. Juntar a sua felicidade àquele que está do seu lado num momento feliz e o mesmo se aplicando nos momentos dolorosos, porém não sentindo necessariamente a mesma dor ou alegria. É apenas perceber o estado do outro e comungar do mesmo sentimento, mas espontâneamente e sem necessitar justificativa. É o compreender sem palavras...

Coloco nesta bacia também o desejo sexual. Muitas vezes partilhamos com o nosso parceiro a nossa vontade, o nosso desejo, exigindo ou praticamente obrigando o outro a sentir o mesmo tesão com a mesma intensidade e necessidade que a nossa, como se dois corpos distintos tivessem que se unir por força de um compromisso, no momento que um ou outro desejasse isto.

O compartilhar, que seria o grande barato da coisa, geralmente acaba ficando só para quando estamos sem vontade de transar e só pela nossa cara, o outro compatilha teu sentimento e aborrecidamente te chama de "estraga-prazer". Compartilhar tesão é tocar e na mesma hora ser tocado. Partilhar tesão é tocar e exigir que o outro te toque. Saber a diferença entre um e outro é se tocar e perceber de verdade a reação do parceiro.

Por tudo isto, chego a conclusão que nem sempre dividir é gesto altruísta e que é por não sabermos compartilhar que estamos vivenciando tanta carência de Amor...

Meire J.Costa

06.02.2011

Alteridade...

Palavrinha difícil e fora de uso, hein?

Fiquei aqui matutando e percebendo que a maioria das pessoas que a vivencia, provavelmente nem sabe da sua existência ou seu significado, ao passo que a grande maioria que faz uso dela em textos e discursos filosóficos ou antropológicos, passa quilometricamente distante de sua prática. Triste ironia...

Li ou ouvi em alguma palestra há um tempo atrás (não me perguntem onde, ou quem disse, pois não gravo nada - rs) o relato de alguém que havia ficado um tempo preso, sem ter um espelho, tendo assim se dado conta de quanto era difícil lembrar-se do seu próprio semblante sem a ajuda da imagem refletida e isto o fez procurar algum traço que julgava ser seu, no companheiro de cela (será que meu nariz é assim, afilado, minha boca é grossa? etc).

Estamos tão acostumados a nos ver através de nossa própria imagem, que mal olhamos para o cara do lado, que dirá procurar alguma semelhança ou nos reconhecermos, nele?

Creio que alteridade seja muito mais do que apenas encontrar semelhanças ou diferenças entre a gente, mas apreender o outro como uma extensão de nós mesmos, a conseguir ver o mundo com os olhos alheios e compreender que os espelhos servem apenas para nos ajudar a não esquecermos das nossas feições. Eles não são úteis para que reconheçamos nossa identidade, pois para esta ainda não inventaram nada que consiga refleti-la em sua essência, pois eu também já ouvi em algum lugar e não me lembro onde, que "quem vê cara, não vê coração"...

A Árvore de Natal

Era Outubro de 1996. Eu tinha apenas 26 anos, mas carregava comigo o tédio de alguém que já vivera 80 e acreditava estar satisfeito com o que a vida lhe dera aguardando ansiosamente a hora de abandoná-la (sentimento de um ancião do século XIX povoando a cabeça de uma menina do século XX).

Entre sonhos concretizados e amor mal resolvido, numa crise de insônia, sob meus edredons pra lá de macios e sobre travesseiros de penas de ganso, descobri que um desejo de infância ainda não tinha sido saciado: eu não não tivera uma árvore de Natal!

Nem dormi mais naquela noite tamanha a euforia em querer adquirir "a minha última conquista". Bati tanta perna durante o dia percorrendo lojas, escolhendo cores, bolas e fitas que só aguentei montar a bendita no dia seguinte.

Minha "obra de arte" ficou linda, mas ao contemplá-la percebi que não a queria apenas, precisava vê-la cheia de presentes a sua volta. Meu lado infantil frustrado pela minha mãe que nunca dera muita importância à decoração natalina, pedia com gritinhos uma árvore completa.

Era só, vivia só e com pouquíssimos amigos. Decidi então comprar presentes para toda a parentada, mesmo os mais distantes. O que comprar? A criançada ganhou uma caixa de bombom e os adultos...

Bom, como estava movida pelo sentimento de despedida, de fim de linha mesmo, pensei em algo que secretamente saciasse minha vontade de responder aos que de certa forma me recriminaram ou me discriminaram pela minha escolha de vida, pois eu era "a ovelha desgarrada", então "voilà!", mandei todos tomar banho, literalmente! Comprei esponja e sabonete líquido para todo mundo (até hoje não sei se alguém captou a minha intenção).

Tarefa cumprida, meu último Natal programado, árvore lotada de presentes cuidadosamente embrulhados ao seu redor, depois de fotografá-la, suspirei admirando suas luzinhas acesas. Meus olhos piscando junto com estas não conseguiram conter a represa de lágrimas que se rompeu diante do "meu último desejo em vida"...

Então, ao contemplá-la mais uma vez, meu anjo sussurrou ao meu ouvido "ainda falta uma coisa!"...o que poderia ser?...mais bolas?...mais laços?...mais luzes?...E eu ouvi direitinho "falta a criança que pediu a árvore!"...como assim?

Naquele exato momento tive a certeza de que ter uma árvore de Natal não era mais o meu "último desejo" e bem escondidinho coloquei pendurada nela um papelzinho escrito o meu pedido de Natal. Era um segredo entre nós, coisa de cúmplices, do tipo que nem morta a gente revela. No ano seguinte, dei-lhe uma piscadinha e ao seu pé coloquei o presente mais valioso recebido em toda a minha vida: a minha filha, minha companheirinha, que junto trouxe de volta toda a vontade de viver que um dia eu julgara perdida...

Dizem que o Homem não deve passar pela Terra sem plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Eu já tive uma árvore, escrevi um filho e só me falta plantar um livro. Quem sabe esta crônica não sirva como semente?

Meire J.Costa

26.11.10